Transtorno de Múltiplas Personalidades – Transtorno de Identidade Dissociativa

O Transtorno Dissociativo de Identidade (abreviado como TDI, ou DID do inglês), anteriormente chamado de Transtorno de Personalidades Múltiplas, é possivelmente o mais controverso diagnóstico psiquiátrico codificados na CID11 e no DSM5.

O objetivo desse artigo é apresentar uma visão geral sobre o diagnóstico e tratamento do quadro, bem como de seu referencial teórico para os interessados em aprofundar seus estudos.

Confira nos links abaixo as definições e critérios diagnósticos do Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) de acordo com a CID11 e DSM5:

Introdução

O Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) é basicamente um quadro em que duas ou mais identidades alternam-se no controle executivo do indivíduo.

A origem do quadro é habitualmente relacionada a vivências traumáticas na infância – quando o estresse ambiental apresenta-se com intensidade maior do que o indivíduo consegue suportar, levando a cisão (dissociação) da personalidade em diferentes “alters“.

A maior parte da controvérsia se daria pelo evidente ganho secundário que os casos mais populares apresentam. Por um lado criminosos tentam escapar da Justiça alegando insanidade – são inúmeros serial-killers alçados ao protagonismo do cinema norte-americano, p.ex.. E mais recentemente temos visto proliferarem os perfis de redes sociais de auto-denominados portadores do quadro – com evidente busca de notoriedade e alcance social.

Entendendo o Transtorno Dissociativo de Identidade

Gosto de pensar os diagnósticos psiquiátricos como “exageros da normalidade”.

Trata-se de um olhar espectral sobre o funcionamento mental, admitindo um continuum desde a “normalidade” até as doenças ou transtornos mentais. Outra forma de entendimento seria a categorial, que diferencia o “normal” do “doente”.

Acredito que o exemplo mais corriqueiro seja a Depressão.

Todos temos sentimentos de tristeza e melancolia em algum momento de nossas vidas.

Quando esses sentimentos ultrapassam determinado limiar, o Psiquiatra estabelece o diagnóstico de um Transtorno Depressivo.

Podemos utilizar este raciocínio para todos os sintomas e diagnósticos psiquiátricos, aqui incluído o Transtorno de Identidade Dissociativa (Transtorno de Múltiplas Personalidades).

Compare seu comportamento quando está com seus pais, com seus filhos, com seus amigos de faculdade ou quando está em uma reunião de trabalho – a maior parte das pessoas consegue identificar ao menos algumas diferenças, a depender da situação e do ambiente em que se encontrar.

Cada uma dessas formas de pensamento e comportamento diferentes caracterizariam aquilo que Paul Federn chamou de “ego-states” (no português estados do ego), que seriam como que “correntes” internas de cognições e comportamentos que constituem nossas “partes” internas ou sub-personalidades.

Uma analogia interessante é imaginar que você possui diversas versões de si mesmo alternando-se na posição do motorista dentro do seu veículo.

Os alters são estruturas de personalidade mais ou menos completas, que pensam, sentem e se comportam de forma diferente umas das outras.

As “partes” de uma mente normal são como diferentes versões de nós mesmos – p.ex. meu eu criança, meu eu adolescente, meu eu adulto, meu eu sábio, etc..

Por outro lado, os alters dos portadores de Transtorno Dissociativo de Identidade muitas vezes não guardam nenhuma semelhança entre si, sendo comum a presença de alters de diferentes sexos e posições, crenças e comportamento absolutamente antagônicos.

Por fim, no Transtorno de Múltiplas Personalidades no geral existe uma barreira amnéstica de grau variado entre os diferentes alters, de forma que o indivíduo não tem lembrança consciente dos eventos ocorridos em sua vida quando outros alters estavam no controle.

Tratamento – elaboração do trauma e integração

O tratamento do Transtorno Dissociativo de Identidade é complexo e demorado, e a dificuldade começa no próprio diagnóstico.

Medicamentos podem ser prescritos para aliviar sintomas depressivos e ansiosos. Geralmente são associados psicofármacos estabilizadores de humor, antidepressivos e antipsicóticos conforme os sintomas apresentados – sempre na menor dose e pelo menor tempo necessários.

Os objetivos maiores do tratamento são a elaboração das lembranças traumáticas e a integração dos alters.

Em alguns casos o trabalho de elaboração e resolução do trauma através das várias técnicas de psicoterapia “trauma informed” é suficiente, e os alters acabam por se integrar sem um trabalho direto. Por outro lado a tentativa de integração das partes sem a devida elaboração do trauma é virtualmente impossível, já que a dissociação foi justamente a forma como o indivíduo conseguiu sobreviver ao trauma!

Leitura obrigatória para os estudiosos do tratamento do trauma é “O Corpo Guarda as Marcas” de Besser van der Kolk, pioneiro da chamada psicoterapia trauma-informed, cujo trabalho deu origem a terapia somática.

As técnicas integrativas mais utilizadas são derivadas da Hipnose. Importante alertar que, de acordo com alguns autores, a utilização indevida de técnicas hipnóticas pode levar a formação iatrogênica de falsos alters!

O modelo conhecido como Ego-States Therapy é considerado a pedra angular destas técnicas. Quando iniciei meus estudos sobre o tratamento do trauma tive a sorte de conseguir acesso ao clássico “Ego-States Theory and Therapy” de John G. Watkins e Helen H. Watkins, pioneiros da pesquisa e tratamento do Transtorno Dissociativo de Identidade desde a década de 1970. John Watkins foi analisando de Edoardo Weiss, por sua vez analisando do próprio Paul Federn, criador do termo e conceito ego-states. A técnica dos Watkins envolve sobretudo a hipnoanálise, com a proposta que devemos tratar as Ego-States como membros de uma família – a Ego-States Therapy seria como que uma terapia de família com as várias partes internas, e objetivo da terapia seria alcançar um relacionamento harmonioso entre elas.

Técnicas mais recentes que também são baseadas neste modelo da mente composta por partes (em oposição a ideia de uma “mono-mente”) e que têm se popularizado nas últimas décadas como modelos de tratamento trauma-informed são a IFS e a EMDR.

A Internal Family Systems (IFS) foi criada pelo psicólogo americano Richard Schwartz e era ainda pouco conhecida no Brasil na época da publicação deste artigo em 2020. Utiliza visualizações e meditações para identificar e consequentemente integrar as várias “partes”, classificando-as em três grandes grupos (gerentes, bombeiros e exilados) e partindo do pressuposto que todas elas têm uma função positiva para o indivíduo.

A EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing) foi criada pela psicóloga americana Francine Shapiro e envolve a utilização de movimentos laterais dos olhos durante a rememoração de eventos traumáticos como ferramenta para dessensibilização e processamento das memórias.