Transtornos Relacionados a Cannabis (Maconha) – DSM-V

Neste post apresentamos o texto completo do DSM-5 com a definição clínica e critérios diagnósticos para Transtornos Relacionados a Cannabis (Maconha), incluindo o Abuso e a Dependência de Cannabis.

O texto com a definição clínica da Síndrome de Abstinência de Cannabis foi apresentado no portal neste artigo.

Você sabia que existe um grupo de mútuo-ajuda no exterior específico para dependentes de maconha? Baseado no modelo dos 12 passos do AA (Alcoólicos Anônimos), o MA – Marijuana Anonimous está bem estabelecido na América do Norte.

Transtorno por Uso de Cannabis

Critérios Diagnósticos

A. Um padrão problemático de uso de Cannabis, levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativos, manifestado por pelo menos dois dos seguintes critérios, ocorrendo durante um período de 12 meses:

  1. Cannabis é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período mais longo do que o pretendido.
  2. Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso de Cannabis.
  3. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção de Cannabis, na utilização de Cannabis ou na recuperação de seus efeitos.
  4. Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar Cannabis.
  5. Uso recorrente de Cannabis, resultando em fracasso em desempenhar papéis importantes no trabalho, na escola ou em casa.
  6. Uso continuado de Cannabis, apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos da substância.
  7. Importantes atividades sociais, profissionais ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas em virtude do uso de Cannabis.
  8. Uso recorrente de Cannabis em situações nas quais isso representa perigo para a integridade física.
  9. O uso de Cannabis é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância.
  10. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
    a. Necessidade de quantidades progressivamente maiores de Cannabis para atingir a intoxicação ou o efeito desejado.
    b. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade de Cannabis.
  11. Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:
    a. Síndrome de abstinência característica de Cannabis (consultar os Critérios A e B do conjunto de critérios para abstinência de Cannabis, p. 517-518).
    b. Cannabis (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência.

Especificar se:
Em remissão inicial: Após todos os critérios para transtorno por uso de Cannabis terem sido preenchidos anteriormente, nenhum dos critérios para transtorno por uso de Cannabis foi preenchido durante um período mínimo de três meses, porém inferior a 12 meses (com exceção de que o Critério A4, “Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar Cannabis”, ainda pode ocorrer).
Em remissão sustentada: Após todos os critérios para transtorno por uso de Cannabis terem sido preenchidos anteriormente, nenhum dos critérios para transtorno por uso de Cannabis foi preenchido em nenhum momento durante um período igual ou superior a 12 meses (com exceção de que o Critério A4, “Fissura ou um forte desejo ou necessidade de usar Cannabis ”, ainda pode ocorrer).

Especificar se:
Em ambiente protegido: Este especificador adicional é usado se o indivíduo encontra-se em um ambiente no qual o acesso a Cannabis é restrito.

Código baseado na gravidade atual: Nota para os códigos da CID-10-MC: Se também houver intoxicação por Cannabis, abstinência de Cannabis ou outro transtorno mental induzido por Cannabis, não utilizar os códigos abaixo para transtorno por uso de Cannabis. No caso, o transtorno por uso de Cannabis comórbido é indicado pelo 4o caractere do código de transtorno induzido por Cannabis (ver a nota para codificação para intoxicação por Cannabis, abstinência de Cannabis ou um transtorno mental induzido por Cannabis específico). Por exemplo, se houver comorbidade de transtorno de ansiedade induzido por Cannabis e transtorno por uso de Cannabis, apenas o código para transtorno de ansiedade induzido por Cannabis é fornecido, sendo que o 4o caractere indica se o transtorno por
uso de Cannabis comórbido é leve, moderado ou grave: F12.180 para transtorno por uso de Cannabis leve com transtorno de ansiedade induzido por Cannabis ou F12.280 para transtorno por uso de Cannabis moderado ou grave com transtorno de ansiedade induzido por Cannabis.

Especificar a gravidade atual:
305.20 (F12.10) Leve: Presença de 2 ou 3 sintomas.
304.30 (F12.20) Moderada: Presença de 4 ou 5 sintomas.
304.30 (F12.20) Grave: Presença de 6 ou mais sintomas.

Características Diagnósticas

O transtorno por uso de Cannabis e os outros transtornos relacionados à substância incluem problemas associados com substâncias derivadas da planta Cannabis e compostos sintéticos de composição química semelhante. Ao longo do tempo, esse material vegetal acumulou diversas denominações (p. ex., maconha, baseado, erva, bagulho, Maria Joana, skunk, hemp, ganja, fuminho, baura e outras). Um extrato concentrado da planta Cannabis também de uso comum é o haxixe.

Cannabis é o termo genérico e talvez o mais adequado cientificamente para a(s) substância(s) psicoativa(s) derivada(s) da planta e, portanto, é usado neste Manual em referência a todas as formas de substâncias semelhantes a Cannabis, incluindo compostos canabinoides sintéticos.

Fórmulas orais sintéticas (pílulas/cápsulas) de delta-9-tetraidrocanabinol (delta-9-THC) estão disponíveis via receita para uma série de indicações médicas aprovadas (p. ex., para náusea e vômitos causados por quimioterapia; para anorexia e perda de peso em indivíduos com aids).

Outros compostos canabinoides sintéticos são fabricados e distribuídos para uso sem finalidades médicas na forma de material orgânico pulverizado com fórmula canabinoide (p. ex., K2, Spice, JWH-018, JWH-073).

Os canabinoides têm diversos efeitos sobre o cérebro, sendo que entre os mais proeminentes estão as ações sobre os receptores de canabinoides CB1 e CB2, que são encontrados em todo o sistema nervoso central. Os ligantes endógenos para esses receptores atuam essencialmente como neurotransmissores. A potência da Cannabis (concentração de delta-9-THC) que está geralmente disponível apresenta grande variação, desde 1% até aproximadamente 15% no material vegetal típico de Cannabis e de 10 a 20% no haxixe. Nas duas últimas décadas, observou-se um aumento constante na potência de Cannabis apreendida.

A Cannabis em geral é fumada por uma variedade de métodos: cachimbos (pipes), narguilés (bongs), cigarros (baseados, fininhos) ou, mais recentemente, no papel de charutos esvaziados (blunts). Às vezes, também é ingerida oralmente, a partir da mistura com alimentos. Mais recentemente, desenvolveram-se aparelhos nos quais a Cannabis é “vaporizada”. A vaporização envolve o aquecimento do material vegetal para liberar canabinoides psicoativos para inalação. Assim como ocorre com outras substâncias psicoativas, o fumo (e a vaporização) geralmente produz um início mais rápido e experiência mais intensa dos efeitos desejados.

Indivíduos que usam Cannabis regularmente podem desenvolver todas as características diagnósticas gerais de um transtorno por uso de substância. O transtorno por uso de Cannabis é observado normalmente como o único transtorno por uso de substância desenvolvido pelo indivíduo; entretanto, também ocorre frequentemente de forma concomitante a outros tipos de transtornos por uso de substância (i.e., álcool, cocaína, opioide). Em casos nos quais são usados múltiplos tipos de substâncias, muitas vezes o indivíduo pode atribuir pouca importância aos sintomas relacionados a Cannabis, já que eles podem ser menos graves ou causar menos danos do que os diretamente relacionados ao uso das outras substâncias. Relatou-se tolerância farmacológica e comportamental à maioria dos efeitos da Cannabis em indivíduos que a usam persistentemente.

De modo geral, perde-se a tolerância quando o uso é descontinuado durante um período de tempo significativo (i.e., durante pelo menos vários meses).

Uma novidade no DSM-5 é o reconhecimento de que a interrupção abrupta do uso diário ou quase diário de Cannabis frequentemente resulta no início de uma síndrome de abstinência da substância. Sintomas comuns de abstinência incluem irritabilidade, raiva ou agressividade, ansiedade, humor deprimido, inquietação, dificuldade em dormir e redução do apetite ou perda de peso. Embora não seja, em geral, grave como a abstinência de álcool ou de opiáceos, a síndrome de abstinência de Cannabis pode causar sofrimento significativo e contribuir para dificuldade em abandonar o hábito ou para a recaída entre as pessoas que tentam abster-se do uso.

Indivíduos com transtorno por uso de Cannabis podem usá-la o dia inteiro ao longo de um período de meses ou anos e, portanto, podem passar muitas horas por dia sob sua influência. Outros podem usá-la com menos frequência, mas seu consumo causa problemas recorrentes relacionados à família, à escola, ao trabalho ou a outras atividades importantes (p. ex., ausências repetidas ao trabalho; negligência de obrigações familiares). Uso periódico e intoxicação por Cannabis podem afetar de forma negativa o funcionamento comportamental e cognitivo e, dessa forma, interferir no desempenho no trabalho ou na escola ou colocar o indivíduo em maior risco físico ao desempenhar atividades que possam comprometer sua integridade física (p. ex., conduzir veículos, praticar determinados esportes; desempenhar atividades que requerem destreza manual, incluindo a operação de máquinas). Discussões com cônjuges ou pais sobre o uso de Cannabis em casa, ou seu uso na presença de crianças, podem ter impacto adverso sobre o funcionamento
familiar e são características comuns a pessoas com o transtorno. Por último, indivíduos com transtorno por uso de Cannabis podem continuar o consumo apesar da consciência de problemas físicos (p. ex., tosse crônica relacionada ao fumo) ou problemas psicológicos (p. ex., sedação excessiva ou exacerbação de outros problemas de saúde mental) associados ao uso.

O fato de a Cannabis estar sendo usada ou não devido a motivos médicos legítimos também pode afetar o diagnóstico. Quando a substância é administrada conforme indicado para uma condição médica, os sintomas de tolerância e abstinência naturalmente irão ocorrer e não devem ser usados como critérios primários para determinar um diagnóstico de transtorno por uso de substância.

Mesmo que os usos médicos de Cannabis continuem sendo controversos e questionáveis, a utilização para circunstâncias médicas deve ser levada em consideração ao se estabelecer um diagnóstico.

Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico

Indivíduos que usam Cannabis regularmente costumam relatar que a consomem para lidar com o humor, sono, dor ou outros problemas fisiológicos e psicológicos, e as pessoas diagnosticadas com transtorno por uso de Cannabis frequentemente apresentam outros transtornos mentais concomitantes. Uma avaliação criteriosa normalmente revela relatos de uso de Cannabis que contribuem para a exacerbação desses mesmos sintomas, bem como outras razões para o uso frequente (p. ex., para sentir euforia, para se esquecer dos problemas, em resposta à raiva, como uma atividade social prazerosa). Com relação a essa questão, alguns indivíduos que consomem Cannabis várias vezes durante o dia não reconhecem (e portanto não relatam) que passam uma quantidade excessiva de tempo sob a influência da substância, intoxicados ou se recuperando de seus efeitos, durante a maior parte do tempo, na maioria dos dias. Um marcador importante de um diagnóstico de transtorno por uso de substância, especialmente em casos mais leves, é o uso contínuo apesar de um risco evidente de consequências negativas a outras atividades valorizadas ou relacionamentos (p. ex., escola, trabalho, atividade esportiva, relacionamento com companheiro ou com os pais).

Devido ao fato de que alguns usuários de Cannabis estão motivados a minimizar a quantidade ou a frequência de uso, é importante estar ciente dos sinais e sintomas habituais de consumo e de sua intoxicação para melhor avaliar a extensão do uso. Como ocorre com outras substâncias, usuários mais experientes de Cannabis desenvolvem tolerância comportamental e farmacológica a ponto de tornar difícil a identificação de quando estão sob sua influência. Sinais de uso agudo e crônico incluem olhos vermelhos (conjuntivas hiperêmicas), odor de Cannabis nas roupas, pontas dos dedos amareladas (de fumar baseados), tosse crônica, uso de incenso (para mascarar o odor), fissura exagerada e desejo de determinados alimentos, às vezes em momentos incomuns do dia ou da noite.

Prevalência

Os canabinoides, especialmente a Cannabis, são as substâncias psicoativas ilícitas mais amplamente usadas nos Estados Unidos. A prevalência de 12 meses do transtorno por uso de Cannabis (combinação dos índices de abuso e de dependência do DSM-IV) é de 3,4% na faixa etária dos 12 aos 17 anos e de 1,5% entre adultos a partir dos 18 anos. As taxas do transtorno são maiores entre homens adultos (2,2%) do que entre mulheres adultas (0,8%) e entre meninos dos 12 aos 17 anos (3,8%) do que entre meninas na mesma faixa etária (3%). As taxas de prevalência de 12 meses do transtorno por uso de Cannabis entre adultos se reduzem com a idade, sendo que os índices são mais elevados na faixa dos 18 aos 29 anos (4,4%) e mais baixos entre indivíduos a partir dos 65 anos (0,01%). A prevalência elevada do transtorno por uso de Cannabis provavelmente reflete o uso muito mais disseminado da Cannabis em relação a outras drogas ilícitas em vez de um potencial maior de adição.

Diferenças étnicas e raciais na prevalência são moderadas. Prevalências de 12 meses do transtorno por uso de Cannabis têm grande variação de um subgrupo racial/étnico para outro nos Estados Unidos. Na faixa dos 12 aos 17 anos, os índices mais elevados estão entre índios norte-americanos e nativos do Alasca (7,1%) em comparação a hispânicos 4,1%), brancos (3,4%), afro-americanos (2,7%) e asiático-americanos e nativos das ilhas do Pacífico (0,9%). Entre adultos, a prevalência do transtorno por uso de Cannabis também é mais elevada entre índios norte-americanos e nativos do Alasca (3,4%) com relação aos índices entre afro-americanos (1,8%), brancos (1,4%), hispânicos (1,2%) e asiáticos e nativos das ilhas do Pacífico (1,2%). Na última década, a prevalência do transtorno aumentou entre adultos e adolescentes. As diferenças de gênero quanto ao transtorno geralmente correspondem às diferenças presentes em outros transtornos
por uso de substância. O transtorno por uso de Cannabis é observado com mais frequência no sexo masculino, embora a magnitude dessa diferença seja menor entre adolescentes.

Desenvolvimento e Curso

O início do transtorno por uso de Cannabis pode ocorrer a qualquer momento durante ou após a adolescência, mas é mais comum durante a adolescência ou no começo da idade adulta. Embora seja muito menos frequente, o início do transtorno na pré-adolescência ou a partir do fim da faixa dos 20 anos pode ocorrer. A recente aceitação por parte da população do uso e a disponibilidade da “maconha medicinal” podem aumentar a taxa de início do transtorno entre adultos mais velhos.

Geralmente, o transtorno por uso de Cannabis desenvolve-se no decorrer de um longo período, embora a progressão possa ser mais rápida em adolescentes, sobretudo entre os que apresentam problemas globais da conduta. A maioria das pessoas que desenvolvem um transtorno por uso de Cannabis em geral estabelece um padrão de consumo que aumenta gradualmente tanto em frequência quanto em quantidade. Cannabis, em conjunto com tabaco e álcool, é tradicionalmente a primeira substância experimentada por adolescentes. Muitos veem seu uso como menos prejudicial do que o uso de álcool ou de tabaco, e essa percepção provavelmente contribui para o aumento do consumo. Além disso, a intoxicação por Cannabis não resulta em disfunções comportamentais e cognitivas tão graves como na intoxicação significativa por álcool, o que pode aumentar a probabilidade de uso mais frequente em situações mais variadas do que ocorre com o álcool. Possivelmente esses fatores contribuam para a transição potencialmente rápida do uso da substância para um transtorno por uso de Cannabis entre alguns adolescentes e o padrão comum de uso ao longo do dia que é habitualmente observado entre as pessoas com transtorno por uso de Cannabis mais grave.

O transtorno entre pré-adolescentes, adolescentes e adultos jovens expressa-se geralmente como uso excessivo com pares que faz parte do padrão de outros comportamentos delinquentes normalmente associados a problemas de conduta. Casos mais leves refletem sobretudo o uso contínuo apesar dos problemas evidentes relacionados à desaprovação do uso por outros pares, pela administração da escola ou pela família, o que coloca o jovem em risco de sofrer consequências físicas ou comportamentais. Nos casos mais graves, há progressão para o uso solitário ou ao longo do dia, de forma que o consumo interfere no funcionamento diário e assume o lugar de atividades pró-sociais estabelecidas anteriormente.

No caso de usuários adolescentes, observam-se com mais frequência alterações na estabilidade do humor, no nível de energia e nos padrões de alimentação. Esses sinais e sintomas provavelmente decorrem dos efeitos diretos do uso de Cannabis (intoxicação) e dos efeitos subsequentes após intoxicação aguda (tornando-se deprimido), bem como das tentativas de dissimular o uso. Problemas relacionados à escola estão normalmente associados ao transtorno por uso de Cannabis em adolescentes, em particular queda acentuada nas notas, absenteísmo e menor interesse nas atividades e nos resultados gerais escolares.

O transtorno por uso de Cannabis entre adultos comumente envolve padrões bem estabelecidos de uso diário da substância que continuam apesar de problemas médicos ou psicossociais evidentes.

Muitos adultos experienciaram o desejo de parar repetidamente ou não obtiveram sucesso após repetidas tentativas em cessar o uso. Casos mais leves na idade adulta podem assemelhar-se aos casos adolescentes mais comuns nos quais o uso de Cannabis não é tão frequente nem tão pesado, mas continua apesar de consequências potencialmente significativas do uso sustentado. A taxa de uso entre adultos de meia-idade e adultos mais velhos parece estar aumentando, provavelmente devido a um efeito de coorte resultante da alta prevalência de uso no fim dos anos de 1960 e nos anos de 1970.

O início precoce do uso de Cannabis (p. ex., antes dos 15 anos de idade) é um preditor robusto de desenvolvimento do transtorno por uso de Cannabis e outros tipos de transtornos por uso de substância e transtornos mentais durante o início da idade adulta. Um início tão precoce provavelmente está relacionado a outros problemas externalizantes concomitantes, em especial sintomas de transtorno da conduta. Contudo, o início precoce também é um indicador de problemas internalizantes e, como tal, provavelmente reflete um fator de risco geral para o desenvolvimento de transtornos de saúde mental.

Fatores de Risco e Prognóstico

Temperamentais. História de transtorno da conduta na infância ou adolescência e de transtorno da personalidade antissocial é fator de risco para o desenvolvimento de vários transtornos relacionados a substâncias, incluindo transtornos relacionados a Cannabis. Outros fatores de risco incluem transtornos externalizantes ou internalizantes durante a infância ou adolescência. Jovens com pontuação elevada de desinibição comportamental mostram transtornos por uso de substância com início precoce, incluindo transtorno por uso de Cannabis, envolvimento com múltiplas substâncias e problemas precoces de conduta.

Ambientais. Fatores de risco incluem fracasso acadêmico, tabagismo, situação familiar instável ou violenta, uso de Cannabis por familiares imediatos, história familiar de transtorno por uso de substância e baixo nível socioeconômico. Como ocorre com todas as substâncias de abuso, a facilidade de acesso à substância consiste em fator de risco; Cannabis é relativamente fácil de se obter na maioria das culturas, o que aumenta o risco de desenvolver um transtorno relacionado a seu uso.

Genéticos e fisiológicos. Influências genéticas contribuem para o desenvolvimento de transtornos por uso de Cannabis. Fatores hereditários contribuem de 30 a 80% para a variância total no risco de transtorno por uso de Cannabis. Deve-se notar que as influências genéticas comuns e as influências ambientais compartilhadas entre os transtornos por uso de Cannabis e outros tipos de transtornos por uso de substâncias sugerem uma base genética comum para o uso de substâncias e problemas de conduta na adolescência.

Questões Diagnósticas Relativas à Cultura

Cannabis é provavelmente a substância ilícita de uso mais comum em todo o mundo. A ocorrência de transtorno por uso da substância entre países é desconhecida, mas as taxas de prevalência tendem a ser semelhantes em países desenvolvidos. Ela está frequentemente entre as primeiras drogas de experimentação (geralmente na adolescência) de todos os grupos culturais nos Estados Unidos.

A aceitação da Cannabis com fins medicinais varia muito dentro de uma mesma cultura e de uma cultura para outra. Fatores culturais (aceitação e situação legal) que podem ter impacto sobre o diagnóstico estão relacionados a consequências diferentes nas culturas quanto à identificação do uso (p. ex., prisão, suspensão da escola ou do trabalho). A mudança geral nos critérios diagnósticos de transtorno por uso de substância do DSM-IV para o DSM-5 (i.e., remoção do critério de recorrência de problemas legais relacionados à substância) mitigou, de certo modo, essa preocupação.

Marcadores Diagnósticos

Exames biológicos para metabólitos de canabinoides são úteis para determinar se um indivíduo usou Cannabis recentemente. Esses exames ajudam a estabelecer um diagnóstico, especialmente em casos mais leves, se um indivíduo nega o uso enquanto outras pessoas (família, colegas de trabalho ou de escola) manifestam preocupação quanto a um problema decorrente do uso da substância. Como canabinoides são lipossolúveis, eles permanecem nos líquidos corporais durante períodos prolongados de tempo e são eliminados lentamente. É necessária competência de especialista nos métodos de exame de urina para interpretar resultados de maneira confiável.

Consequências Funcionais do Transtorno por Uso de Cannabis

As consequências funcionais do transtorno por uso de Cannabis fazem parte dos critérios diagnósticos.

Muitas áreas relacionadas ao funcionamento psicossocial, cognitivo e à saúde podem ficar comprometidas como resultado do transtorno por uso da substância. A função cognitiva, especialmente a função executiva superior, parece ficar comprometida nos usuários de Cannabis, e, aparentemente, essa relação depende da dosagem (tanto na forma aguda como na crônica), o que pode contribuir para uma dificuldade cada vez maior na escola ou no trabalho. O uso de Cannabis foi relacionado à redução de atividades pró-sociais dirigidas a objetivos, o que chegou a ser denominado como síndrome amotivacional, que se manifesta por meio do baixo desempenho escolar e de problemas no trabalho.

Tais problemas podem estar relacionados a intoxicação global ou a recuperação dos efeitos da intoxicação. De forma semelhante, o relato de problemas com relacionamentos sociais associados a Cannabis é bastante comum naqueles que apresentam o transtorno. Acidentes decorrentes do envolvimento em comportamentos potencialmente perigosos durante a influência da droga (p. ex., atividades esportivas, recreativas ou laborais e condução de veículos) são também preocupantes. A fumaça da Cannabis contém altos níveis de compostos carcinogênicos que colocam usuários crônicos sob risco de doenças respiratórias semelhantes às que ocorrem em fumantes de tabaco. O uso crônico da substância pode contribuir para o início ou exacerbação de vários outros transtornos mentais. Em especial, manifestou-se preocupação sobre o uso de Cannabis como fator causal para esquizofrenia e outros transtornos psicóticos. O uso da substância pode contribuir para o início de um episódio psicótico agudo, pode exacerbar determinados sintomas e pode afetar de forma negativa o tratamento de uma doença psicótica maior.

Diagnóstico Diferencial

Uso não problemático de Cannabis. Estabelecer a distinção entre o uso não problemático de Cannabis e o transtorno por uso da substância pode ser complicado, porque pode ser difícil atribuir problemas sociais, comportamentais ou psicológicos à substância, especialmente no caso de uso de outras substâncias. Ao mesmo tempo, a negação de uso pesado de Cannabis e do fato de que ela esteja relacionada ou envolvida na causa de problemas substanciais é comum entre indivíduos que foram encaminhados ao tratamento por outros (i.e., escola, família, empregador, sistema judiciário).

Outros transtornos mentais. O transtorno induzido por Cannabis pode ser caracterizado por sintomas (p. ex., ansiedade) que se assemelham a transtornos mentais primários (p. ex., transtorno de ansiedade generalizada versus transtorno de ansiedade induzido por Cannabis, com ansiedade generalizada, com início durante a intoxicação). O consumo crônico de Cannabis pode produzir uma falta de motivação que se assemelha ao transtorno depressivo persistente (distimia). Reações adversas agudas a Cannabis devem ser distinguidas dos sintomas de transtorno de pânico, transtorno depressivo maior, transtorno delirante, transtorno bipolar ou esquizofrenia do tipo paranoide. O exame físico normalmente mostra aumento da frequência cardíaca e hiperemia das conjuntivas. Exames toxicológicos de urina podem auxiliar no estabelecimento do diagnóstico.

Comorbidade

A Cannabis sempre foi encarada como uma droga de “entrada” porque indivíduos que a consomem de modo frequente apresentam uma probabilidade muito maior de usar substâncias normalmente consideradas mais perigosas, como opioides ou cocaína, ao longo da vida do que não usuários. O uso de Cannabis e o transtorno por uso de Cannabis são altamente comórbidos com outros transtornos por uso de substâncias. Condições mentais concomitantes são comuns no transtorno por uso de Cannabis. Seu uso foi associado a baixa satisfação com a vida; aumento na necessidade de tratamentos de saúde mental e hospitalização; e taxas mais altas de depressão, transtornos de ansiedade, tentativas de suicídio e transtorno da conduta. Indivíduos com transtorno por uso de Cannabis no último ano ou ao longo da vida apresentam taxas elevadas de transtorno por uso de álcool (superior a 50%) e transtorno por uso de tabaco (53%). As taxas de transtornos por uso de outras substâncias também tendem a ser elevadas entre indivíduos com transtorno por uso de Cannabis. Entre as pessoas que buscam tratamento para transtorno por uso de Cannabis, 74% relatam uso problemático de uma segunda ou terceira substância: álcool (40%), cocaína (12%), metanfetamina (6%) e heroína ou outros opiáceos (2%). Entre os jovens com idade inferior a 18 anos, 61% relataram uso problemático de uma segunda substância: álcool (48%), cocaína (4%), metanfetamina (2%) e heroína ou outros opiáceos (2%). Observa-se também o transtorno por uso de Cannabis como problema secundário entre indivíduos com um diagnóstico primário de outros transtornos por uso de substância, sendo que aproximadamente 25 a 80% das pessoas em tratamento para transtorno por uso de outra substância relatam uso de Cannabis.

Indivíduos com diagnóstico de transtorno por uso de Cannabis no ano anterior ou ao longo da vida também apresentam índices elevados de transtornos mentais concomitantes diferentes de transtornos por uso de substância. Transtorno depressivo maior (11%), um transtorno de ansiedade (24%) e transtorno bipolar tipo I (13%) são bastante comuns entre indivíduos com um diagnóstico de transtorno por uso de Cannabis no ano anterior, bem como transtornos da personalidade antissocial (30%), obsessivo-compulsiva (19%) e paranoide (18%). Cerca de 33% dos adolescentes com transtorno por uso de Cannabis apresentam transtornos internalizantes (p. ex., ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático), e 60% têm transtornos externalizantes (p. ex., transtorno da conduta, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade).

Embora o uso de Cannabis possa ter impacto sobre múltiplos aspectos do funcionamento humano normal, incluindo os sistemas cardiovascular, imunológico, neuromuscular, ocular, reprodutivo e respiratório, bem como sobre o apetite e a cognição/percepção, há poucas condições médicas evidentes que costumam ocorrer de forma concomitante ao transtorno por uso de Cannabis.

Os efeitos mais significativos da substância sobre a saúde envolvem o sistema respiratório, e fumantes crônicos de Cannabis exibem taxas elevadas de sintomas respiratórios de bronquite, produção de escarro, falta de ar e sibilos.