Folie A Deux – Transtorno Psicótico Compartilhado ou Delirante Induzido

Neste último artigo encerro nosso estudo sobre o Transtorno Psicótico Compartilhado ou Transtorno Delirante Induzido. Apresento minha experiência profissional bem como o trabalho pioneiro de Gralnick sobre Folie a deux, que estabeleceu uma classificação para a síndrome em 1942 ainda citada nos relatos de casos atuais.

Leia aqui a definição clínica mais recente de Psicose Compartilhada de acordo com o DSM-5.

Neste post os critérios diagnósticos de acordo com o DSM-IV, manual que apresentava o Transtorno Psicótico Compartilhado de forma mais detalhada em relação ao atual DSM-V.

E finalmente neste link a definição e critérios de acordo com a CID10, que utiliza o termo Transtorno Delirante Induzido para nomear o quadro.

O Transtorno Psicótico Compartilhado também já foi denominado na literatura como “insanidade compartilhada”, “insanidade contagiosa”, “loucura infecciosa”, “psicose de associação” e “dupla insanidade”.

Se usamos o termo Folie au deux quase como sinônimo de Transtorno Psicótico Compartilhado, deve-se a apresentação em pares ser mais comum que as demais.

Mas a síndrome pode ser compartilhada por mais de duas pessoas, quando sua denominação passaria a folie à trois (envolvendo três pessoas), à quatre (quatro pessoas), à famille (uma família) ou à plusieurs (muitas pessoas, também chamada de Delírio ou Psicose em Massa, e por alguns autores equiparada a Histeria Coletiva).

Em 1942 Gralnick publicou uma revisão de um total de 103 casos – 96 casos já publicados na literatura científica inglesa além de 7 novos casos.

Trata-se do maior trabalho sobre Psicose Compartilhada já realizado, e permitiu o desenvolvimento da “Classificação de Gralnick” ainda usada como referência nos relatos de caso publicados posteriormente.

São quatro tipos primários de Psicose Compartilhada:

1) Folie imposée: Os delírios de uma pessoa psicótica são transferidos para uma outra pessoa mentalmente saudável. Os delírios do indivíduo que ficou secundariamente psicótico desaparecem após a separação.
2) Folie simultanée: Ocorre um aparecimento simultâneo de uma psicose idêntica em indivíduos predispostos que estão intimamente associados.
3) Folie communiquée: O indivíduo secundariamente psicótico desenvolve os sintomas após um longo período de resistência e mantém esses sintomas mesmo depois da separação do indivíduo primariamente psicótico.
4) Folie induite: Novos delírios são adotados por um indivíduo psicótico sob influência de outro indivíduo psicótico.
Gralnick, A. Folie a deux-the psychosis of association. Psych Quar 16, 491–520 (1942). https://doi.org/10.1007/BF01573913

Trata-se de um quadro extremamente incomum em essência – tive contato somente com dois casos em minha carreira até a publicação deste post.

O primeiro ainda em tempo de Residência Médica, quando uma mãe e seu filho foram internados na Santa Casa de Misericórdia de SP com delírio compartilhado de contaminação.

O filho recebeu diagnóstico de Esquizofrenia Paranóide, quadro que havia se manifestado quase uma década antes da internação, e que não havia sido tratado até então.

Com a separação física entre ambos rapidamente a mãe passou a questionar o que antes declarava com certeza delirante.

O segundo caso somente mais de 15 anos depois, também um par mãe-filho com o filho psicótico primário.

Ambos os casos “folie au deux” do tipo “imposée” de acordo a classificação de Gralnick descrita acima.

O tratamento começa pela identificação e tratamento do indivíduo responsável pela formação do delírio.

Se for possível alguma separação física entre as partes, isso por si só já aliviará os sintomas no 2o indivíduo.

A manutenção da estabilização adequada depende da conscientização deste 2o indivíduo, e se possível ampliação da rede de suporte socio-familiar, pois o psicótico primário necessitará tratamento psiquiátrico por tempo indeterminado.